Maldade, falta de sanidade mental ou problemas no pé e tornozelo: segundo Dorival Caymmi em “Samba da minha terra”, essas são as características de quem não gosta do principal supergênero musical do Brasil 🤣…!
Como todo talentoso artista, Dorival Caymmi usa o humor para louvar o supergênero musical ao qual era filiado. Não, gostar de samba não é condição para ser bom sujeito, bom da cabeça ou saudável dos pés. Entretanto, não dá para negar a riqueza desse supergênero e a sua relevância para a cultura brasileira, a ponto dele ter sido registrado enquanto uma Formas de Expressão da cultura nacional no Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que é mantido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan.
Dado que é a principal expressão musical do país, o samba carrega os elementos da formação do nosso povo, especialmente a diversidade tão característica da gênese da nação brasileira. Siga com a gente neste texto para entender a influência de cada uma de nossas matrizes fundadoras no samba!
Raízes africanas
Não dá para negar que a maior contribuição para a formação do samba tem origem na África. As bases mais fundamentais do gênero – a instrumentação, as danças – foram trazidos pelos africanos e mantidos pelos seus descendentes. E o principal traço característico do samba também veio da África: a estrutura rítmica.
Quem leu o texto que publicamos aqui no blog sobre ritmos musicais vai se lembrar que a música africana tem como forte característica a polirritmia, a superposição de ritmos e métricas diferentes em uma mesma música. Para tentar deixar claro o que isso significa, abaixo segue uma canção exemplar: “O mundo místico dos Caruanas nas águas do Patu-Anu”, samba-enredo da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis e vencedor do carnaval do Rio de Janeiro de 1998. A polirritmia fica mais clara a partir dos 1min25s.
Em músicas com diferentes métricas, os instrumentos tocam em compassos diferentes mas a harmonia não se perde. Essa característica da musicalidade africana também está presente em outros ritmos sincopados como a rumba, o jazz, o funk e o reggae.
As matrizes são fundamentais para entender a origem mas quase todos os gêneros musicais tem um ou alguns antecessores principais – quem leu o texto sobre rock vai se lembrar que ele é uma “fusão” do blues, country e jazz. No caso do samba seu principal antecessor é o lundu e a formação desse gênero explica a influência da matriz europeia.
O lundu é um gênero africano trazido para o Brasil pelos escravizados e que teve aceitação na população branca brasileira. Boa parte dessa aceitação está ligada ao fato do lundu ter absorvido a harmonia e o estilo de ritmos musicais europeus como a valsa e a polca e um instrumento de percussão que está entre os instrumentos musicais de origem indígena, o ganzá.
No final do século XIX outros gêneros musicais começaram a ganhar popularidade: o maxixe e o choro. Este penetrou nos salões e eventos da época, em grande medida, graças à beleza e qualidade da obra de uma compositora e pianista que é central para a história da música brasileira pré-samba: Chiquinha Gonzaga.
O surgimento de artistas destacados com disposição a experimentar as possibilidades oferecidas por esses novos gêneros e ritmos encontrou um “laboratório musical”. O endereço dele era na Praça XI, no Rio de Janeiro: a casa de Tia Ciata. Lá foi composta a canção “Pelo telefone”, considerado o primeiro samba registrado e gravado, em novembro de 1916.
Samba: a popularização do supergênero
Assim como o blues, o country e o jazz nos Estados Unidos, a popularização do samba no Brasil deveu-se, em grande medida, às inovações tecnológicas de distribuição cultural da época – o rádio, o gramofone e as salas de cinema.
A peculiaridade é que o samba, desde a sua origem, se associou à principal festa popular brasileira, o carnaval. Antes mesmo da invenção do samba já era comum que os sucessos musicais da época fossem reproduzidos nos salões dos clubes e nos blocos – tanto que a música mais famosa de Chiquinha Gonzaga é uma marchinha de carnaval lançada em 1899, “Ó abre alas”. “Pelo telefone” foi o hit do carnaval de 1917 e, a partir de então, samba e carnaval se vincularam para nunca mais se separarem.
No contexto do samba, a década de 1920 foi a de consolidação do gênero. O principal nome da primeira fase era um talentoso e multifacetado músico: flautista, saxofonista e arranjador, Pixinguinha fundou junto com Donga – um dos compositores de “Pelo telefone” – o grupo Oito Batutas. Pixinguinha tornou-se o primeiro grande ícone do samba, pavimentando o caminho para todos os que vieram depois.
No final da década de 1920 são formadas as primeiras escolas de samba no Rio de Janeiro. E ao longo de 1930 o gênero, já bastante conhecido nos grandes centros, ganha popularidade por todo o país por meio das ondas de rádio. Elas apresentam ao Brasil as obras de Ary Barroso, Adoniran Barbosa, Noel Rosa e as vozes de Francisco Alves e Carmen Miranda, muitas vezes cantando algumas das primeiras músicas de Cartola.
Nas décadas de 1940 e 1950 o samba estabelece-se como o principal supergênero musical brasileiro e começa a influenciar a criação de novos gêneros e ritmos musicais, como o samba-canção e, principalmente, a bossa nova. Mas essa é uma outra história…
Sobre esta história, a do samba, é importante deixar registrado que a principal expressão cultural do nosso país nasceu do maior, mais pobre e mais marginalizado grupo populacional do Brasil. Isso mostra como o samba é um supergênero musical efetivamente popular, concebido por pessoas tolhidas de direitos básicos, mas ricos em criatividade.
No diretório de artistas da Musicloom não tem ninguém ruim da cabeça e doente do pé – mesmo os que não tem o samba como o gênero preferido… Para se juntar aos bambas e marcar a próxima roda, clique aqui e comece a interagir com os outros usuários da plataforma!